Primeiro eu gostaria de agradecer a querida Edna Silva, do blog Tricô Sem Costura, pelo convite para participar de um projeto coletivo sobre lavar e cuidar da lã natural. Não encontramos muitos artigos sobre lã natural em sites brasileiros. É compreensível, visto que os campeões de venda são fios com grande percentual de acrílico em sua composição, como Pingouin Família, Sedificada, Círculo Mollet, etc.
O fio acrílico é barato e fácil de cuidar, mas suas desvantagens me mantém bem afastada dele: são ásperos, não respiram. Costumo dar preferência para aqueles com mínimo de 30% de lã natural em sua composição. Mas para tricotar determinados peças, como xales e meias, escolho fios com 85% a 100% de lã natural pois são mais resistentes e extremamente macios. Seu toque é um carinho, algo delicioso, não tem como comparar.
Para cuidar bem de uma peça tricotada com lã animal devemos conhecer e, sobretudo, respeitar sua personalidade. Como os fios acrílicos são velhos conhecidos, farei algumas comparações com ele para melhor ilustrar a tal personalidade da lã natural.
Conhecendo a lã animal
A lã animal pode ser obtida de ovelhas, coelhos, lhamas, vicunhas, alpacas, etc. É um isolante térmico e sua trama respira, permite que o suor evapore, proporcionando um calor confortável. Fios acrílicos são formados por fibras plásticas. Usar meias tricotadas com fio acrílico vai abafar seus pés fazendo-os transpirar. Como a trama acrílica não respira, o suor não evapora. Além de desconfortável, tanta umidade não é saudável para os pés (nem agradável aos narizes alheios). É por esse motivo que as meias devem ser tricotadas com fibras naturais, sejam elas animais (lã de merino) ou vegetais (algodão).
No fogo
Ao colocar fogo em um fio acrílico ele se queimará rapidamente podendo até queimar sua mão, deixará um cheiro de plástico e derreterá. Já o fio animal queima lentamente, tem cheiro de cabelo e deixa cinzas.
Na água
Ao lavar uma peça de fio acrílico em água quente ela perderá sua forma e esticará. Um casaco poderá se transformar em um vestido, com looongas mangas. Tenho ouvido diversas tricoteiras reclamarem que a qualidade dos fios acrílicos caiu tanto que a água não precisa estar quente para isso acontecer, basta lavar a peça uma única vez e pronto, o casaco desaba.
Mas, como reage a peça de lã animal em contato com água quente? Ah, as fibras animais são muito sensíveis… Na verdade, o perigo não está apenas na temperatura da água, mas na dupla água + agitação. As fibras animais se sentem ultrajadas, se rebelam, se reorganizam em uma nova estrutura, encolhem drasticamente e viram feltro. Simples assim. E não tem volta. É um processo irreversível. Algumas pessoas estimulam a feltragem da lã natural de propósito, como foi o tema dessa publicação, onde o encolhimento dos chinelos foi calculado para que ficassem do tamanho certo após a feltragem.
Como lavar lã natural
Agora que conhecemos a personalidade sensível da lã, qual a melhor maneira de lavar uma peça, sem que ela se sinta agredida? Tato, amiga. Muito tato.
Minha participação nesse projeto consiste em descrever como lavar uma amostra tricotada com fio de lã natural, especificamente com fio 100% merino. Tricotei uma amostra usando um desses deliciosos fios da Fiolã. Detalhe: o tingimento desse fio também foi feito de maneira artesanal. É da carqueja que vem esse lindo tom de verde.
A fotografia acima exibe a amostra que tricotei para esse projeto, antes de ser lavada, recém saída das agulhas número 7,0mm. Veja que são necessários 13 pontos para obter 10 centímetros de largura. Os alfinetes vermelhos delimitam esses pontos.
Coloquei pouquíssimo sabão líquido, próprio para roupas delicadas, em uma bacia com água. Algumas pessoas indicam xampu de uso diário, pois é menos concentrado, outras indicam detergente neutro, sempre em quantidades mínimas.
Diluí bem o sabão na água e só então submergi a peça, apertando-a de leve até que ficasse totalmente encharcada. Deixei de molho por uns 10 a 20 minutos para facilitar a remoção de qualquer resíduo que esteja na lã.
Importante: assim que a peça entra em contato com a água, manipule-a com cuidado e, principalmente, com muito carinho. Lembre-se que agitar uma peça de lã molhada inicia o processo de feltragem, seja qual for a temperatura da água.
Aperte para lavar
Tricô feito à mão é lavado apenas apertando-o delicadamente para permitir que a água ensaboada penetre em suas fibras, e só.
Jamais (me desculpe o palavrão) esfregar! Não devemos causar nenhum atrito, nem mesmo atritar a peça contra ela mesma.
Depois, para enxaguar e remover o excesso de sabão, troquei a água da bacia três ou quatro vezes, bem devagar. Certos produtos para peças delicadas não precisam de enxágue, então leia as informações no rótulo.
Pressione para retirar o excesso de água
Uma vez lavada e enxaguada, retirei todo o excesso de água da peça apertando suavemente por toda sua extensão. De maneira nenhuma torça (ai, outro palavrão!).
Então envolvi em uma toalha limpa e apertei suavemente para retirar todo o excesso de água. Nunca esfregue a toalha, nem friccione ou cause atrito.
Se for uma peça maior, como um xale, eu envolvo na toalha e, descalça, pisoteio com muito cuidado, usando todo o peso do meu corpo para remover bem o excesso de água, como fez esta tricoteira antes de bloquear um xale.
Muitas pessoas envolvem a peça numa toalha limpa, depositam no tambor da máquina de lavar e programam apenas o ciclo de centrifugação.
Para secar
Delicadamente, estendi a peça sobre uma toalha limpa numa superfície horizontal (a mesa de jantar) e deixei secar à sombra. Secar à sombra preserva as cores do fio.
A lã natural bloqueia bem, seca da maneira que quisermos. Usando as mãos, suavemente, dê forma à peça, alisando-a para que ficar com o formato correto. Se for um casaco, modele suas mangas, sua gola. Se for um cachecol, alise-o bem para deixá-lo reto. Se for uma peça rendada, use alfinetes para bloqueá-lo. Uma boina pode ser bloqueada com a ajuda de um prato, para que seus pontos sequem bem definidos. É assim que a peça secará já passada e pronta para ser usada. Passar à ferro é um atentado à vida do merino!
Resultado
Abaixo, veja como ficou a minha amostra depois de seca. Medi e agora são necessários 11,5 pontos para obter 10 centímetros de comprimento, e não 13. Os alfinetes vermelhos delimitam esses pontos. É por isso que devemos medir nossas amostras depois de lavadas e bloqueadas. Um ponto a mais ou a menos numa amostra de 10 cm é uma diferença grande se a intenção for tricotar uma peça bem maior, como um cardigã.
Repare na tensão dos pontos, veja como está mais nivelada e homogênea depois que a amostra foi molhada e bloqueada. Bem diferente da primeira fotografia dessa publicação, que exibe a amostra recém saída das agulhas.
Tricotar envolve cuidado e carinho. Pelo menos, é assim para mim. Desde a escolha da receita, do fio, então tricotar a amostra, são diversas etapas até poder segurar a peça terminada em minhas mãos. Eu executo cada etapa com amor porque eu adoro tricotar.
Naturalmente, vou cuidar da peça depois que ela estiver pronta. E essa preocupação se estende às peças presenteadas. Sempre escrevo um cartão com os cuidados básicos orientando como lavar e secar, e até acrescento um ou mais botões extras para o caso de algum se perder.
Sem lágrimas
No último capítulo do livro Knitting Without Tears, capítulo que discorre sobre como lavar e guardar um suéter tricotado à mão, Elizabeth Zimmermann diz: “eles requerem tempo e cuidado para serem feitos, então lave-os com tempo e cuidado”. Sábia, essa mulher!
Pingback: [Projeto Coletivo] Como lavar peças de tricô em lã! |